Não sei o que te dizer...
Não, não me pergunte nada. Cale-se e aceite, simples assim. Eu não faço a menor idéia do que te dizer.
É como quando alguém com quem temos um contato esporádio e frio, sem o menor envolvimento. O cobrador de ônibus que vc viu umas 15 ou 20 vezes e acostumou a cumprimentar. O dono da banca de jornais onde vc compra a revista todos os domingos. Simples assim. Gente que vc tem conhecimento da existência e só. E num dado momento, quando vc menos espera essa pessoa abre seu coração e diz, por exemplo, que o filho ou a esposa morreu. A pessoa desaba na sua frente e se abre. Sabe como é? Pois bem, nessa situação vc se converte numa folha branca com um nada escrito em tinta branca. Vc não sabe o que dizer. Qualquer palavra que sair da sua boca será um som sem sentido, algo como um navio fantasma ou um trem que não leva ninguém. Um meio sem um significado.
Vc ainda insiste? Não, não espere. Sua espera só tornará as coisas mais insuportáveis. Não existe o tal de silêncio confortável. Silêncio são cacos de vidro espalhados no meio de pregos enferrujados pelos quais vc vai ter que caminhar. E caminhar descalço. E tua vacina antitetânica está vencida. E o chão está molhado com água salgada, talvez com um pouco de limão.
Não fique quieta então, não espere, não pergunte. Será que não estou sendo claro o suficiente? Não me olhe com esse olhar indagador, mesmo falando amenidades. Teu olhar pode furar como um milhão de agulhas. Não daquelas de costura, mas aquelas de injeção mesmo, com a ponta enviezada e ocas por dentro. Ocas tentando sugar algum sentido da minha alma. Para de me olhar.
Não fique quieta, não espere, não pergunte, não me olhe. E não suspire, suspirar é quase um grito, um grito no meio de uma algazarra com uma britadeira e uma briga de casal. Barulho que machuca e não deixa pensar. Eu quero dormir e todos os barulhos que teu suspiro faz não me deixam.
Não insista, não fique quieta, não espere, não pergunte, não me olhe, não suspire. Aliás, vá embora. Suma daqui. Não sei mesmo o que te dizer. Deixe eu olhar você indo, indo, ficando pequenina e sumindo na distância. Daí talvez, e só assim, eu lembre que tenho muito pra te dizer. Daí talvez eu saiba como. Talvez eu vire o orador da turma, o dono da verdade, aquele que ilustra e sabe dizer tudo sobre tudo.
Mas agora não, agora não faço a menor idéia do que te dizer.