29/10/2007

Privação.

O sonho de infância era a privação de sentidos. Leia de novo, não de sentimentos, de sentidos. A maldita autocrítica era carrasca. Todos os sentidos tinham que obrigatoriamente passar por camadas e camadas de análises táticas, lógicas, sensoriais. Um som, uma palavra, um gesto, um sorriso, uma lágrima, um cheiro, um gosto, um toque. Tudo tinha que ter um motivo, tudo tinha que ter uma razão, tudo tinha que ter um desfecho. Ele tinha que entender tudo.

Privação era o autismo da percepção. Palavras sem sentido, cheiros sem memória, gostos sem salivação.

Tentou alterar a percepção usando drogas, usando álcool, usando solidão. Virou um bêbado chato, filósofo de botequim. Parou de tratar as percepções reais, mas não fugia das imaginárias. Desistiu...

Daí tentou derradeiramente se jogar do precipício. Se jogou numa piscina de estímulos, ficou tonto de cheiros, surdo de palavras. Sentiu a tontura de febre, de sensações ambíguas, de descontrole, que o faziam esquecer o que era um raciocínio.

Depois acordou, sem saber muito bem o que precisava entender. A única dúvida era porque o gosto nunca ia embora. Mas ele podia viver com isso. De fato, até queria...