Escolhas
Ele procurava todos os dias entender suas escolhas. Os mecanismos que faziam funcionar aquele negócio que as pessoas chamam de livre arbítrio. Não as decisões bobas do dia a dia, muito menos as escolhas quase inconscientes que fazia sem perceber. O que comer, o que vestir. Estas ele considerava bestas e sem a menor importância. Trabalho, carreira, dinheiro. Estas também ele desprezava pois no final das contas eram praticamente matemáticas. As escolhas que lhe interessavam eram aquelas que ele fazia com gente.
Porque as determinadas amizades entre milhões de pessoas, desprezando totalmente outras tantas que poderiam ser totalmente interessantes. Porque aquela pessoa especial em detrimento a tantas outras, talvez tão especiais quanto e muito mais descomplicadas. Porque escolher. Sempre achava que estas escolhas não eram feitas por ele, nem consciente nem inconscientemente. Parei que estas escolhas eram feitas por algo meio exotérico, como se sua vida fosse regida por um roteiro similar ao dos filmes. As vezes ele viajava tentando adivinhar o final, os culpados, os inocentes e a reviravolta da trama, exatamente como fazia no cinema. Porém no cinema era sempre mais fácil, porque independentemente da quantidade de imersão que ele se permitia no enredo do filme, o prazer e a dor da vida não eram comparáveis. E lidar com dor e prazer incapacitava o desprendimento que ele tinha numa poltrona no escuro.
A grande diferença entre escolher alguém em relação a escolher algo é que alguém também escolhe, diferente de uma roupa ou um prato de comida. E era com isso que ele, no fundo, não sabia lidar. Com as escolhas dos outros. Ele não podia admitir que não tinha poder sobre essas escolhas. Mas o fato de não conseguir entender suas próprias escolhas rapidamente o colocava de volta à razão de que jamais também poderia entender as escolhas dos outros.
Mais do que isso, o que o incomodava profundamente era o encadeamento que escolhas tinham. Uma dele, outra de outro, uma nova dele. Ele odiava do fundo do coração ter que escolher algo que não queria simplesmente porque a escolha de alguém o obrigou a isso.
E no fundo, no fundo o que mais o enlouquecia era saber que escolhas nunca refletem obrigatoriamente as vontades. Porque vontades e desejos são muito mais evoluídos do que as escolhas. Eles mandam e você simplesmente luta contra eles usando suas escolhas como armas de rolha tentando matar o Godzilla.
A escolha dele foi feita, contra sua vontade, contra seu desejo que berravam em sua cabeça que aquele tirinho de festim nunca iriam fazê-los calar. E ele sabia o que queria, quem queria e que no fundo queria apenas que ele fosse também uma escolha.