22/02/2002

Pra desopilar :-)

Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e
criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzam com a
maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo
fazendo sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que
vingará plenamente um dia. Sem que isso signifique a "vulgarização" do
idioma, mas apenas sua maior aproximação com a gente simples das ruas e dos
escritórios, seus sentimentos, suas emoções, seu jeito, sua índole.

"Pra caralho", por exemplo. Qual expressão traduz idéia de maior
quantidade do que "pra caralho"? "Pra caralho" tende ao infinito, é quase
uma expressão matemática, física. A Via-Láctea tem estrelas pra aralho, o
Sol é quente pra caralho, o universo é antigo pra caralho, eu gosto dela
pra caralho, entende?


No gênero do "pra caralho", mas no caso expressando a mais absoluta
negação está o famoso e crescentemente utilizado

"Nem fodendo!".
Que "Não, não e não!" o quê! E nem tão pouco o nada eficaz e já sem
nenhuma credibilidade "Não, absolutamente não!". O "Nem fodendo" é
irretorquível, liquida o assunto. Libera você, com a consciência e o ego
tranqüilos, para outras atividades de maior interesse em sua vida. Aquele
filho pentelho de 17 anos te atormenta pedindo o carro pra ir surfar no
litoral? Não perca tempo nem paciência. Solte logo um definitivo "Huguinho,
presta atenção, filho querido, NEM FODENDO!". O impertinente se manca na
hora e vai pro Shopping se encontrar com a turma numa boa e você fecha os
olhos e volta a curtir o novo CD do Lupicínio.


Por sua vez, o "porra nenhuma!" atendeu tão plenamente as situações onde
nosso ego exigia não só a definição de uma negação, mas também o justo
escárnio contra descarados blefes, que hoje é totalmente impossível
imaginar que possamos viver sem ele em nosso cotidiano profissional. Como
comentar a bravata daquele chefe idiota senão com um "é PhD porra
nenhuma!", ou "ele redigiu aquele relatório sozinho porra nenhuma!".
O "porra nenhuma", como vocês vêem, nos provê sensações de incrível bem
estar interior. É como se estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia
pública de um canalha. São dessa mesma gênese os
clássicos "aspone", "chepone", "repone" e, mais recentemente, o "prepone" -
presidente de porra nenhuma.

Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um "Puta-
que-pariu!", ou seu correlato "Puta-que-o-pariu!", falados assim,
cadenciadamente, sílaba por sílaba...Diante de uma notícia irritante
qualquer um Puta-que-o-pariu! dito assim te coloca outra vez em seu eixo.
Seus neurônios têm o devido tempo e clima para se reorganizar e sacar a
atitude que lhe permitirá dar um merecido troco ou o safar de maiores dores
de cabeça.

E o que dizer de nosso famoso "vai tomar no cu!"? E sua maravilhosa e
reforçadora derivação "vai tomar no olho do seu cu!". Você já imaginou o
bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do
suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta: "Chega! Quer
saber mesmo de uma coisa? Vai tomar no olho do seu cu! ". Pronto, você
retomou as rédeas de sua vida, sua auto-estima. Desabotoa a camisa e saia à
rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso
sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios.

Seria tremendamente injusto, em que pesem ainda inexplicáveis e
preconceituosas resistências à sua palavra-raiz, não registrar aqui a
expressão de maior poder de definição do PV (Português
Vulgar): "Embucetou!". E sua derivação mais avassaladora ainda: "Embucetou
de vez!". Você conhece definição mais exata, pungente e arrasadora para uma
situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação?
Expressão, inclusive, que uma vez proferida insere seu autor em todo um
providencial contexto interior de alerta e auto-defesa. Algo assim como o
comentário de um vizinho para sua esposa ao sacar que no auge da violenta
briga do casal da residência ao lado, chegam de súbito a amante, o filho
espúrio e o cunhado bêbado com o resultado do exame de DNA: "Fecha a porta
que embucetou de vez!".

O nivel de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade
de "foda-se!" que ela fala. Existe algo mais libertário do que o conceito
do "foda-se!"? O"foda-se!" aumenta minha auto-estima, me torna uma pessoa
melhor. Reorganiza as coisas. Me liberta.". Não quer sair comigo? Então
foda-se!.". "Vai querer decidir essa merda sozinho(a) mesmo? Então foda-
se!" O direito ao "foda-se!" deveria estar assegurado na constituição
brasileira. Liberdade, igualdade, fraternidade e foda-se.