O segundo parto do Andrade.
Foi como uma epifania. Depois de escorregar numa mancha de óleo na rua, descendo do ônibus e entalar na boca de lobo pela cintura, Andrade viu tudo.
Saindo com a ajuda dos braços, todo sujo de óleo, água e limo, ele percebeu que naquele exato momento ele havia nascido de novo. Não, não foi algo como uma experiência de quase morte. Nem risco de quebrar uma perna ele teve. Foi uma reedição do seu parto. Saiu do útero dos esgotos para uma nova vida. Afinal, aos 54 anos, funcionário público xinfrim, uma família tediosa e normal, uma casa tediosa e normal, num bairro tedioso e normal, com um salário tedioso e normal e uma vida tediosa e normal, sem sonhos, apenas algo como aquele incidente poderia colocá-lo a pensar.
Onde teria ido parar o Andrade adolescente, jovem, cheio de planos, sonhos, paixão? Aliás, seu nome era Jorge, Jorginho nos bons tempos, Gegê na boca das paixões juvenis. Em que momento ele havia se perdido? Aquele era seu segundo parto e ele não permitiria que essa segunda vida se perdesse como perdeu a primeira, no meio do caminho. Queria novamente o gosto da aventura de viver.
Entrou numa loja da Hering que ficava a duas quadras do ponto onde nascera de novo. Chamou uma atendente:
"Queria ver uma camiseta", disse ele.
"Ok senhor, qual o tamanho?", retrucou a atendente.
"GG, mas dessa vez, uma REGATA!"
...
"Mocinha. E que seja AZUL, nada de branca, AZUL!"